A minha História é uma Grécia onde não fui
(escrito com António, Henrique, Maria Manuela e Marília, do Recolhimento da Encarnação, em 2013)
A minha História é uma Grécia onde não fui.
A minha Grécia é Nova Iorque, que não vi.
A minha Nova Iorque é o amor que não tive.
A minha Grécia é Angola, e Angola não é minha.
O mulato não tem senão a terra em que caminha.
A minha Angola são 50 anos em casa da minha mãe.
É ter visto pela rádio o sol da Califórnia.
É em 75 ter namorada, não ter que fugir.
A minha História bem contada era um casamento rápido em Las Vegas.
A minha Nova Iorque era não ter casado nunca.
A minha Las Vegas são as minhas filhas, onde deixei tudo.
A minha História é ter ido a jogo.
É ter perdido sempre.
A minha Grécia é ter um quarto.
A minha mãe morreu.
*
A História é termos sido duzentos, sermos três.
É das sete vidas que tínhamos termos gastado seis.
É ter seis meses para sair a contar do dia da morte.
É o ano de 29, a cegueira do pai, o princípio do fim.
É não ter terra, não ter renda, não ter rosa,
e não ter, para o caminho de volta, prosa.
É saber que a morada que nos resta é na Pena
onde se chega por fim, para o fim, por via torta.
Meu parêntesis por ora.
*
Terra prometida
(Não nos prometeram mais)
Guarda-nos da chuva.
Dispensa-nos de bússolas.
Cave aconchegada teia cova
[…]
*
É tarde demais para ser tarde demais.
Penumbra clausura
Tenho planos latos
E sensações de luz
Quero ir morar em espaços em branco.
Miguel Cardoso
excerto de Mais de mil anos (2017, Douda Correria)
12.03.2022
Oriana Alves
PontoZurca