[Depois de quase termos morrido]
depois de quase termos morrido
juntos: nada
dobrado o cabo do silêncio
o desejo não existiu além
de duas montras
dois escombros do que outrora foi
um comércio entre deuses em delírio
colhendo frutos abrindo flores
sobre os negros veios da madeira
aí, onde por vezes deixámos
de existir por falta de distância
atraídos por uma sede inevitável
de tão quente: nada
agora, com os dedos feridos
pela acidez de uma boca fechada
acaricio
fellatios em ruínas
cópulas perdidas
fomes velhas
que escolhem a rua
para ir lamber os teus restos
incuráveis
nem submersos recuperam
do crime da saciedade
poderia dizer-se: nada
tudo isso não passa
de um retrato sórdido
do quarto onde
sem saber
abríamos pernas
tempo e tecto
ao silêncio
que nunca nos absolveu
de nós alguém poderia dizer:
nada
mas quem sabe
se o fracasso nos salvou
De Uma Fotografia Apontada à Cabeça (2019, ed. Abysmo)
09.06.2022
Oriana Alves
Sérgio Milhano, Pedro Baptista
PontoZurca