Rotina n. 2
seis horas da manhã
o homem e seu suco de laranja
dentes podres se desprendem
nas migalhas no prato mergulham
o homem cata um por um
coloca de volta na boca
chupa mastiga engole
o homem flutua até o banheiro
escova com sangue a língua
ensopa de mijo a marmita do almoço
dá descarga
meio-dia
o homem caga no banheiro do chefe
esfrega o cu na agenda do gerente
envia por fax a sua merda empoeirada
divide a marmita com os colegas preferidos
o arroz e sua camada amarela
alimenta o ranço
duas horas da manhã
o homem atravessa a rua
nas mãos sacolas de compras
os pés descalços
a camisa de botão entreaberta
ele sente nos calcanhares
o peso do dia
a dor das reuniões intermináveis
dos carimbos enferrujados
do cabo de rede
ainda dependurado em seus ouvidos
De A festa do Rouxinol (Loitxa Lab, 2021)
Richard Plácido
Sérgio Milhano, PontoZurca