Vila das Torres
Vil ar – das Torres
Vim lá das Torres!
Fala, Dona Eliaza! Como você aguenta a esperança aqui no bairro? Minha vida erra numa amerdura eufórica. Sou um produto social enxovalhado, uma herança umbilical fadada à carência. Olha para mim, meu filho! Os tecidos dérmicos da minha vaidade, sendo precipitados pela melancolia. A flor de meu Verão está murchada, decrepitada. Meu sorriso parece asfixiado com a fumaça de minhas trinta e cinco velinhas. Nasci, cresci, procriei aqui… Tudo mudou, nada muda!
O som do DJ do bairro não para de poluir o meio ambiente. Os beatmakers são os herdeiros; as batidas e a lírica-bereta não param de perturbar os humildes. Eles sabem tocar qualquer ritmo: jazz, reggae, rock, rap, samba… Olha para a rua, nas madrugadas! Nas lixeiras do Batel, dos condomínios, do centro dos mercados, dos restaurantes, das esquinas de petit-pavé. Meus vizinhos e seus cachorros: têm uma vida barata, preparando o nascer do sol para as carroças trazerem de tudo e de nada rumo à triagem… Este bairro é o órgão limpador, o rim do centro da cidade. A maioria dos cidadãos daqui cuida da cidade para poder sustentar a família.
Meu filho! Estou completamente vazia… Vazia! O cheiro podre do bairro envelhece as crianças, as mulheres em gravidez, os surdos-mudos, os inválidos e cria mais esquizofrênicos ambulantes. Estou ressecada! Consumo o absinto da vida. Estou cansada de ver meus dois filhos felizes e tudo isso… Oh vida! Oh Deus do coração, você sabe dar, você não sabe compartilhar: é a vida nas favelas!
23.08.2022
Rei Seely
Sérgio Milhano, PontoZurca