a língua geral
pra Sergio Maciel
de uma língua morta nasceu o
nome da tua república
que um século depois
eu chamo de país imberbe
e estranho com nome de rio
te repito
o passaporte carimbado
infinitas vezes
o mesmo brasão
como se entrasse
again and again num país
de onde nunca saí
volto a ti rio caudaloso com
a insolência dos que têm remos
teu nome já difuso entre a língua
crioula e a indizível a que traduzo
que engulo ou cuspo porque já
não posso
te engolir
volto a outro país que desconheço
ainda que compartilhemos
do mesmo gentílico mas
é outro teu trópico eu equador
tu capricórnio te viajo anotando
barroca e chocada tua flora tuas falésias
teus rasgos
já nem sei mais para quem é esse
poema se para ti ou a terra natal ou
para o exílio ou a maré
que me separa dos três
não consigo escrevê-lo
porque ainda
que tenha vivido muito
tenho lido pouco
e se fosse o contrário também
não escreveria aliás
qual é a medida
com quanto cuspe a escrita
lubrifica a vida ou seria
o contrário?
De Chifre (Edições Macondo, 2021)
27.07.2022
Adelaide Ivánova, com recurso a voz sintetizada nos poemas "A mulher casada" e "os orgãos inúteis".
Pedro Baptista, PontoZurca