Cinco poemas para Monsaraz
2.
Ainda não é o fim
nem o princípio do mundo
Calma
É apenas um pouco tarde
Manuel António Pina
Continua a ser apenas um pouco tarde e,
tão longe do mar como de outras balaustradas,
deixo que o sol incendeie estes versos e o meu corpo
sinta os efeitos meteorológicos do Sul. Toco as
sombras ainda cálidas que escorrem pelas pedras
do casario como se pudesse acender, do lado de
dentro, a floração da penumbra nas tuas mãos.
Os meus ombros nus, tingidos pelas nuvens que
entardecem, são ainda os de Alandra e eu acredito,
enquanto escrevo e estremeço, que o aroma dos
aloendros é a única túnica que me cobre revelando
o que de mais puro se desprende do meu coração:
uma promessa de amor sem sílabas, sem um beijo,
como resgate de todos os verbos que preferiste
deixar apenas rente aos lábios. Não te falo dos meus
cabelos – eles esvoaçam e dançam, dobados pelo
vento. São o meu desejo, um naufrágio sem mar
por perto. Volúpia lenta e silenciosa. Volúvel
e profunda contradição.
De O coração é um animal sem trevas in Manual da vida breve. Poesia reunida (2003-2021), (Officium Lectionis Edições, 2021)
01.07.2022
Oriana Alves
Pedro Baptista, PontoZurca