Farsa de Inês Pereira

Porquanto duvidavam certos homens de bom saber se Gil Vicente (1465 – 1536) fazia de si mesmo as suas obras ou se furtava de outros, lhe deram como mote sobre que escrevesse o provérbio que diz: “mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube”. Assim nasceu a Farsa de Inês Pereira, representada ao mui alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, no ano do Senhor de MDXXIII.

 

Com a adaptação realizada por Eduardo Street para o programa “Teatro Imaginário” da Antena 2 (2002), nas interpretações de Teresa Sobral, Fernanda Montemor, Vera Azevedo, Rui Luís, Jorge de Sousa Costa e Carlos Vieira Almeida, celebramos hoje o Dia Mundial do Teatro.

 

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Nuvens dispersas

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Tenho as mãos geladas, mas escrevo-te que é

Agosto. Junto ao mar, o dia amanhece sem neblinas,

com nuvens dispersas que se alinham de forma

perpendicular ao vento por efeito da orografia,

tal a vertigem que acrescento à paisagem, e essa

é a única condição que estipulo ao poema: que haja

nuvens onde te possas pendurar como tábua de

salvação para que quando colocares os pés na

terra os teus olhos continuem rasos de horizonte.

 

É Agosto e escrevo-te que o dia se desdobra

em calor como tu gostas e eu não aprecio. A

visibilidade é total mesmo quando o sol, dispersas

as nuvens, ofusca todas as palavras e só o silêncio

emerge como a única expressão que te interrompe

o olhar. Essa é a tensão da luz a revelar segredos e

mistérios, quando pássaros inesperados surgem

nos sulcos da escrita, na minha ou na tua pelo

menos um de nós saberá.

 

Escrevo-te que é Agosto e afinal já estou descalça,

como sempre deveria estar. A noite aproxima-se,

vagarosa, incessante, como um estado de expiação.

Surge tingida de outras nuvens que se dispersam

e lá vais tu, agarrado ao abandono que só essas

sombras te deixam ter. Num desses dias de Agosto,

talvez te toque sem que te prenda, e então ficará

concluído quase tudo o que intimamente hoje te

tinha a declarar.

 

 

De Boletim Meteorológico (2020, volta d’mar)

 

data de publicação
29.06.2022
GRAVAÇÃO E EDIÇÃO ÁUDIO
Oriana Alves
masterização
Pedro Baptista, PontoZurca