não sei se queria ser homem
não sei se queria ser homem
não sei se queria ser mulher
não me perguntaram
não sei se queria estar entre
duas coisas tão frágeis duas
ideias que se desfazem na vida
nesse dia camisa água céu azul
sandálias velhas e café com muito
açúcar paisagens da américa do sul
não sei se gostaria de alimentar
assim os três amores que agora tenho
que dividem espaço no peito
quando empresto rosto ao que chamam
delicadeza dizer palavras em português
justificar os sentidos dos ofícios
a que estou me dedicando não sei
fosse de escolher escolheria
talvez peça inanimada talvez
objeto inútil decoração
luz de poeira caco de vidro
casa pré-fabricada
lustre em salão antigo
vestido de paetê vassoura
algo que não demandasse
energia explicação explanação
discurso coerência algo que não
precisasse nunca elucidar motivos
responder questões não sei
o que é você e quem é você e como
chegou até aqui e para onde é que
vai desse jeito tão estranho
por que é que você não se parece
com todo o resto com tudo o que há
por que você não sabe de nada nunca
por que não sabe se queria ser homem
se queria ser mulher o que queria
ser incógnita por quê
De haverá festa com o que restar (URUTAU, 2018)
Francisco Mallmann
Sérgio Milhano, PontoZurca