Primeiras vontades
Nomes de árvores, de pássaros e de flores.
Trazer o nome de uma árvore na ponta
de cada dedo e assim saiba dizer da próxima
vez que uma bétula é, afinal, um vidoeiro
e que as barcaças na lagoa, entre jacintos-de-água,
estão ali ancoradas no que resta das sombras
invisíveis das suas folhas caducas e que haverá
sempre um pássaro por perto, garça, pisco de
peito ruivo, falcão peregrino, para que cada ave
permaneça, em mim, para a posteridade.
Inventários e enumerações poéticas.
Detectar as pedras dentro da poesia e da pedra
extrair tudo o que dela se possa fazer: areia,
vidro, mágoa, calçada, casa, ponte, morte,
arco botante, coluna, vértebra de estátua, pó,
sulco na água, água no cântaro, fogo, muros
cercados, túmulos e lápides, gruta, precipício,
ilha, lava, cometas, altar de presságios, amor
desabitado, imitação, margem, ruínas, tempo,
o naufrágio da noite acesa a luz do farol.
Vésperas, varandas e vigílias.
Abrir as gavetas e as janelas, não esquecer
o mar no horizonte, o mar no passadiço,
o mar como o nevoeiro na minha voz.
Esperar o degrau que me chama, o coração
depois de vazio, as trevas que clareiam
lentamente. Descalça, sempre descalça,
encontrar um entardecer para me despedir.
Que este seja o último poema
que não te escrevo.
De O coração é um animal sem trevas in Manual da vida breve. Poesia reunida (2003-2021), (Officium Lectionis Edições, 2021)
02.07.2022
Oriana Alves
Pedro Baptista, PontoZurca