no alto do morro do pão de açúcar
no alto do morro
do pão de açúcar
há um teleférico
brincam crianças dentro dele
e quarenta milhões de pessoas depois
ainda se vêm do teleférico
a baía de guanabara
o cristo redentor
e as morenas de copacabana
do alto do morro
do pão de açúcar
crianças assistem
sem saber
em contraluz
à poeira que se põe
na praia vermelha
elas não sabem
que é em contraluz
porque desconhecem ainda
o conceito
de lado certo da sombra
algo que será difícil determinar
se foi aprendido
na fotografia da sua própria retina
ou vagarosamente ruminado
através dos adultos
ao longo dos anos
algo também difícil de saber
é a temperatura que faz
no rio de janeiro
quando a quarenta graus dali
medidos por mim a compasso
no mapa mundi do ecrã
passa na televisão o lago dos cisnes
ao som de bombas de fragmentação
em plena guerra fria
na década de sessenta
uma prima ballerina
é aplaudida de pé
no new york city ballet
já sem poder mover as pernas
formular frases compridas
ou sair da cadeira
num lar de idosos em espanha
a mesma bailarina
dança hoje tchaikovsky outra vez
é o mesmo ecrã
mas longe das bombas
e ninguém aplaude
no alto do morro
do pão de açúcar
ainda se vê guanabara
copacabana e
toda a poeira
mas alguém deixou
de saber
medir os ângulos
e avaliando o esquadro a qualidade
da medição a transigência
do tempo a amplitude térmica
do mundo os risos das crianças
no alto do morro do pão de açúcar
a bailarina vê tudo isto
e avisa:
temos de arranjar as pontas.
Inédito
16.07.2022
Oriana Alves
Pedro Baptista, PontoZurca