quem me comeu a carne
era no tempo em que as famílias
ainda tinham arrecadações
limpavam os esqueletos mal dobrados
e pintavam as sebes antes
que os vizinhos vissem
ou que chegasse o outono
os filhos deitavam-se na palha
e durante o sono
moíam dos pais a violência
pouco a pouco
como sementes de girassol
mal maturadas
às mulheres
cresciam enigmas vermelhos
nas pernas
e enquanto alastrava o verão
deixavam de saber andar
arqueadas com o peso da ira
que se deitava sobre elas
todas as noites
as mulheres rezavam:
meu deus
quem comeu a minha carne
os meus ossos
há-de roer.
Inédito
15.06.2022
Oriana Alves
Pedro Baptista, PontoZurca