Perder a vergonha

Num ano de muita luta dos professores, a professora de português Vanda Rosa é a convidada de Bárbara Aparício, Luana Martinuzo e Alexandre Dias (via Whatsapp) no primeiro episódio do podcast “Perder a vergonha”.

 

Das reinvindicações dos professores ao prazer da conversa, da evolução da escola às fardas da marinha, da vergonha de falar em público à descoberta do livro de cada um, de muito se fala neste encontro que passa a correr.

 

O intimismo da rádio, a curiosidade e o dom da conversa deixam a perder de vista a habitual timidez dos entrevistadores e abrem o apetite para mais.

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ao poeta que me envia árias avulsas

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andas muito lírico, amor.

não compreendo

a tua necessidade

de ouvir ópera sem parar, isso

não existe essa grandeza dos afectos

essa adolescência momentânea

os corpos rosáceos

sob um tecto de estrelas

isso não existe, meu amor.

agarra-te ao trabalho no supermercado

abraça a dormência da rotina

esquece os romances

deixa de escrever e sobretudo

não ouças mais ópera que isso

não existe, amor, e se existir

não é perto de nós.

paga a renda, come chocolates,

consolida, filho, consolida,

que o inverno vai ser longo e esses cravos

na parede e essa força

e esse amor universal não existem

nada disso existe

por isso agarra bem os talões de desconto,

serão a maior carta de amor no teu correio,

ajuda as velhas a atravessar a rua

bebe até cair

mas só a partir das oito da noite

que não te deixam sair antes do trabalho

larga a literatura

deixa os clássicos para reciclagem

mas se for poesia

queima-a:

o verso livre é perigoso.

larga os amores, as flores e os cravos

agarra-te ao boletim de voto e às revisões

constitucionais mas só se te deixarem

sair do trabalho para as urnas.

a última vez que fodeste a sério

eras adolescente e já nem sabes

se foi assim tão bom mas

não te preocupes com mais,

o prozac não esquece a alegria,

acaba o cigarro, abotoa o colarinho

toma a certeza de que só essa cadeira

é o teu lugar no mundo:

volta para dentro sorriso

amarelo ombros

encolhidos cabeça

baixa, barba feita que

não deixam que cresça porque

fica mal, fica-te tão mal

esse pensar divergente

mas sobretudo

larga a ópera, que

andas muito lírico.

 

 

 

 

De Cassiopeia (Apuro Edições, 2018)

data de publicação
10.07.2022
GRAVAÇÃO E EDIÇÃO ÁUDIO
Oriana Alves
masterização
Pedro Baptista, PontoZurca