Francisca Camelo [compacto]
Seleccionar o que ler para outros é um complexo jogo de holofotes.
Se no ofício da pintura se desbravam imagens, trazendo à luz um espelho interno que se quer exposto, na poesia, o exercício é o de um jogo de mímica do real, de fantoches que se fazem vivos, fantasmas que se tornam palpáveis de repente por artifício das palavras escolhidas a dedo para desenhar o rosto a projectar no papel. Não é, no entanto, por falarmos dos cadáveres, das suas formas anteriormente arredondadas e do que costumavam dizer-nos que eles se levantam das campas. Haverá sempre rostos escondidos nos retratos projectados.
Escrever é, por isso, uma forma de mentir muito bem.
E escolher a dedo o que ler em voz alta, de tudo o que escrevemos antes, é também a melhor forma de mentir. Honestamente, dizemos: é isto que eu quero que ouçam, é esta a minha consciência, é isto o que sei do que escrevo.
Daí que eu diga: parece-me ser isto, talvez sejam estes os poemas que devo dizer em voz alta, talvez sejam estes os meus grandes fantasmas.
Talvez esteja a mentir, mas nem disso estou segura: mentir bem é também deixar de saber a diferença entre o que é fictício e o que se tornou a cama onde dormimos quando chega a noite.
Francisca Camelo
19.07.2022
Oriana Alves
Pedro Baptista, PontoZurca