Rafael Mantovani [compacto]
A escolha destes poemas foi inspirada em certos versos de Marianne Moore: “a esperança só é esperança / quando não há mais motivo / para esperança”*. Ou então em outros de Vladimir Maiakóvski: “É preciso / arrancar alegria / ao futuro”**.
Se viver neste mundo é cada vez mais difícil; se as perspectivas são sombrias; se a violência, o autoritarismo e a injustiça vão ganhando terrenos que considerávamos seguros; se as notícias chegam como rolos compressores e não sabemos bem se lutar ou correr; se a selva da incerteza vai reduzindo as clareiras do nosso quotidiano; enfim, se estamos numa crise permanente e crescente, surge uma categoria especial de perguntas (que aliás já tinham surgido antes):
O que ainda vale a pena esperar? O que vale a pena, de modo geral? Qual o lugar da alegria e do prazer no horizonte encoberto pelo medo? E há um lugar para a alegria na luta política? Onde ficam os sonhos, quando a realidade não deixa muita margem de manobra? E é sequer permissível ter alguma felicidade sem culpa, em meio à miséria que se alastra? Alegria é escapismo ou é parte da razão para continuar tentando?
Essas perguntas estão em volta dos poemas que escolhi. Alguns deles são do meu livro você esqueceu uma coisa aqui (2019), outros são mais novos. São questões que sempre me obcecaram mas que, com a água do colapso mundial subindo a cada semana, ficam mais presentes e urgentes. Isso se acreditarmos que a poesia também pode ser uma bússola (ou uma arma? um conforto? uma boia de salvação? uma espaçonave?) em meio a isso tudo. O que quer que se chame de “isso tudo”.
* “O herói”, tradução livre minha.
** “A Sierguéi Iessiênin”, tradução de Augusto e Haroldo de Campos
Rafael Mantovani
25.07.2022
Oriana Alves
Pedro Baptista, PontoZurca