prefiro ser égua
a ser deusa
manifesto primeiro da ternura
animal
as mulheres sao como os cavalos
os homens como as metralhadoras
a diferença estrutural do meu desejo
é indomável como meu sexo
meus cabelos
meu olho de quadrúpede
minha cintura de mamífera oca
ovelha clonada sem cabeça
não atire nos animais
as éguas são como a catinga
e os homens como os policiais
o corpo é a estrada
o cavalo o galope
a mulher que cavalga
mais mulher do que você é
homem
e só dançava porque na curva do vento
o movimento das palavras não recua
tenho mais medo de não escrever
do que de escrever
escrevo então porque a maré volta
agora com a ressaca do meu sangue
quente
unhas e cascos carcomidos em sua dureza
violenta a correnteza dos dias
dança macabra no meu quarto
envenena cada um dos
meus pulmões
olha bem isto é o meu corpo
não acredito em poeta que não dança
mas manteremos isto aqui frio e
sem armas de fogo como guerreavam
os astecas, os incas e os maias
e todas as mentiras sobre o amor
o sal, o insumo da guerra
devorando os caranguejos do mangue
compadecendo-se no fim
à devastadora enchente no sertão
implacável
como teu silêncio
entre a carcaça dos bois
dois ou três dos motivos e dívidas
o húmus da criação apodrecendo
no meio dos bichos e você ali
entre os dentes de um deles
resignado
como meu desejo
certas coisas só fazemos
quando perdemos o medo
da morte ou o apego à vida
e no entanto o meu martírio
não me santifica
não entrego o meu sangue
mas o corpo total
Inédito
02.12.2022
Gal Freire
Jo Mistinguett
Sérgio Milhano, PontoZurca