[Quando Marga amou Juan Ramón]
Ó noite, ó sino de emboscada!
Rezou ao gume o dúbio peito
O céu pendeu do parapeito
O som bateu em retirada
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando Marga amou Juan Ramón
Secou o riso nas tabernas
A praça rechaçou o sol
O sangue encheu o arrebol
O busto achou as suas pernas
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando Marga amou Juan Ramón
A água coagulou na fonte
O choro veio sobre o bobo
O cervo veio sobre o lobo
E a dúvida pensou na ponte
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando Marga amou Juan Ramón
A boca vomitou o beijo
A esfinge errou a adivinha
Rugiu o coração da pinha
A cor tremeu no azulejo
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando Marga amou Juan Ramón
O pano enxotou o vento
Sangrou a pétala a papoila
O velho morreu de moçoila
Perdeu-se em dois um sentimento
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando Marga amou Juan Ramón
Um astro disparou de um lábio
O sal cercou o alcaçuz
Urdiu-se um cristo em ponto cruz
O velho apodreceu de sábio
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando a Marga amou Juan Ramón
A luz correu prà sua foz
O gás asfixiou a aldeia
O invento perdeu a ideia
O ovo seduziu a noz
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando Marga amou Juan Ramón
A pedra guardou seu segredo
Um grilo fez-se ao longo breu
Eremita, uma onda ardeu
O ferro confessou seu medo
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando Marga amou Juan Ramón
A lágrima caiu do goivo
Fechou-se o punho da conquilha
Em dois se fez a triste ilha
Num féretro passou o noivo
Quando Marga amou Juan Ramón
Quando Marga amou Juan Ramón
Baliu a sarça o cordeiro
O mar despiu a sua espuma
Caiu do promontório o puma
A noite caiu num cinzeiro
Quando Marga amou Juan Ramón
De Cães de chuva (2021, Assírio & Alvim)
17.04.2022
Oriana Alves
Sérgio Milhano, PontoZurca
E-learning Café Botânico e Teatro Carlos Alberto