sempre penso em te escrever quando não tenho tempo
sempre penso em te escrever quando não tenho tempo
quando estou no meio da aula de pilates
recebendo as endorfinas e decido que vou te escrever quando chegar em casa
depois no banho estou pensando no que exatamente vou te escrever
quando tiver as mãos secas
nos emojis geniais que vou colocar no fim das frases
que vão expressar o sentimento sem recorrer a palavras
ponho a roupa pensando em como vai ser mágico
te escrever finalmente depois do jantar
como vai ser libertador e você vai me perdoar por não ter escrito antes
e revelar que nem estava bravo comigo afinal
porque você compreende
sempre penso em te escrever enquanto estou comendo
a gelatina com calorias reduzidas
enquanto fumo e a comida gira e gira no meu estômago
penso em te escrever exatamente enquanto abro o netflix
ao longo do episódio penso em como vai ser fácil e espontânea
a nossa conversa, em como
você vai ao mesmo tempo rir das minhas falas e ficar com vontade
de me morder e pôr a mão na minha bunda
quando aparecem os créditos sinto a agulhada do pânico, ando
(tem o formato aproximado de uma agulha de tricô) até a cozinha
pra lavar uns pratos, dobrar a roupa que secou
penso em como vou estar bombando de vitalidade pra te escrever amanhã
amanhã assim que não tiver aquele trabalho não entregue
e vou escrever não sobre como meu trabalho é chato e repetitivo
mas coisas tão inesperadas que você nem vai acreditar que está lendo
nem eu
oh como sou bom em pensar em te escrever
enquanto estou fazendo qualquer outra coisa
eu poderia viver disso, fazer isso profissionalmente e de jeitos completamente inovadores
e a humanidade depois escreveria livros sobre mim
sobre como foi genuína a minha vida e obra de pensar em te escrever
penso em você lentamente lendo esses livros, no metrô de uma cidade interminável
estou esticado na cama olhando pro lustre
tem uma mariposa procurando algo dentro dele
ouço os carros que desenham sombras quadradas no teto, vejo
uma escada rolante, um porta-aviões, um castelo.
De revista online Stadtsprachen (2021)
23.07.2022
Oriana Alves
Pedro Baptista, PontoZurca