Sinceras lampadazinhas
Obrigada por me lembrares das grandes charcas
dulcíssima palavra reflectora onde vejo de imediato
o sol a cair de chapa e lucefécit no céu cor de ratazana
desta querida e velha Lisboa
sinceras lampadazinhas trazem os genes da tua fala
mesmo as menos alegres que nem por isso vêm
menos cheias de sopro e futuro
um hectare de terra é entrada directa na santidade
voltei ontem do Alentejo onde vivo só de ser carnal
por aqui vou estando para trabalhos e dinheiros
fechei o livro que sairá algures no ano que inicia
contenta-me que se fuja para o campo para sempre
e não confusamente
alegra-me a ideia de ficar completamente
e ir ressoltando o fantasminha da iluminação
um dia quem sabe
acordar de frente para uma árvore verde até ao fim
árvores de fruto: às vezes olho para um limoeiro
numa das partes recuadas da casa e espanta-me
a felicidade com que respondo também sou tua
e o limoeiro com seu corpo brilhante de lantejoulas
podia perfeitamente ser o marmeleiro de Victor Erice
ou um recado teu:
acompanha-me nos teus bons pensamentos
não quebres
nesses dias de chiclete e castelos de betão.
De Divisão da Alegria (2022, Tinta-da-China)
22.05.2022
Oriana Alves
Sérgio Milhano, PontoZurca