Uma casinha alugada no Japão
espero há anos outro coração
para dele fazer a única mobília
neste cubículo em madeira anosa, murado a papel
a que também chamamos: tórax
é transplante adiado
carece que primeiro morra um dador, que ocorre
ser eu, neste exílio em mim
tão distante e tão tautócrono
espero e caibo
no que excedeu o contorno exótico e flutua
hoje no melodrama
convive com o fim, sazão de tudo
o que alguma vez viveu
um dia este saco velho
atado pela baraça do ego romperá
voltarei à condição mineral
serei uma pequena galáxia de cinzas
e de pó
a minha água e a minha sede
separadas
a fome e o anseio
esvaziados
tudo adentrando
na boceta de charão que guarda
as pérolas
e os planetas
venderão as porcarias
que o mundo veio juntar à porta dos meus dias
e que paguei com o afecto dos anos
ocuparei as fotos
mover-me-ei na rigidez caricata
das aventesmas
suporão quiçá remirar-me
no peixinho-dourado que nada no tanque
destes vocábulos mas já
o peixe terá sido lançado ao rio
na festa do ano novo
in Ágil mesmo nu: um sobretudo nos trópicos (edições Macondo, 2021)
11.11.2022
Nuno Morão
Sérgio Milhano, PontoZurca