Rir na rebentação
Sou
corpo sólido
frágil fronteira
contra a queda casa
gozo e morte
porta termo
tecendo cortando
ligando células
igual movimento
vivo
cruzando galáxias
corpo cosmos
aberto ao devir
(consideremos, porém, percentagens (in)-
certezas números vírus intriga
apesar de medo desejo ou por isso mesmo)
pendemos para o salto superar a densidade
crescendo da terra ao éter direto mistério
hoje o nevoeiro desfez céu e mar
seguem gaivotas noutra dimensão
simetria demarcando
ritmos cardinais rotas ignotas
(passíveis, contudo, de planos migratórios,
quadros, mapas, gráficos, paralelas)
vejo uma veia pulsar
no pé circuito anil
entre grãos de areia
globos cristalinos
mínimas conchas
tatuando a pele — rara
beleza do mundo
por onde
vamos
rastos de luz
(como brilhar ainda, sabendo
repetida desgraça riscando
por força a retina
linhas para ver
contra o infinito?)
enuncia meu corpo
seus ângulos firme
nexo com o mundo
e assim consolido
o trabalho ténue
de cada gesto no ritmo
do respir
ar precioso
Sou
una nua
sob o sol
o sal na pele
radiante real
entro no mar
chão que me chama
sua brandura cristalina
quero guardar
o júbilo das águas, primeira casa
minha morada movente, cor-
rente enleando os membros
dada ao prodígio do sal, flutuo
olhos de céu vasto vazio
onde voam ágeis nuvens
iguais águas aéreas
entro no mar
vendo o corpo ganhar
novos contornos halo
poalha áurea
na curta rebentação
tremulante. Avanço de-
vagar por entre as ondas translúcidas
gritando agreste alegria
brusco frio contra o fogo
do sol nos poros a pele
cintilante reverbera
vejo peixes ágeis serpentes oscilantes
sem princípio nem fim sabendo ser
o mar tudo
menos sólido
e já de bruços em terra
entregue à força mais grave
chupo longo travo a sal
sinto o sol entrar na pele
gota a gota restolhar
canaviais na falésia
ouço algas cheiro vento
abro nos dedos os lábios
embalada pela trova
lateja o sangue no ventre
aleluia, nosso hino
Praia da Galé, Melides, setembro 2020
Sintra, outubro 2021
Diana V. Almeida
de RUAL: Revista da Universidade de Aveiro, Letras, n. 10 (2021, Univ. Aveiro)
02.04.2022
Oriana Alves
PontoZurca