Firmamento
Paulo levantou-se do chão e, de olhos abertos,
não viu nada
Actos dos Apóstolos, 9
I
Subo ao monte sem tocha ou lanterna
a fitar a tela do firmamento
de estrelas inumeráveis perfurada.
Subo por não haver sossego na terra,
nem assombro, mistério, ou canto,
apenas tumulto, ecrãs, informação.
No manto constelado me agasalho
como peregrino chegado a lugar santo.
Espinho cravado na imensidão.
E nem o rumor da auto-estrada
que o vento transporta
destroça o feitiço do infinito.
Subo sem ego e sem alma.
Por amor ao distante. Ao inumano.
Subo porque abdico de ser visto.
Bicho de carbono suplicante,
subo ao firmamento como faúlha
convertida em diamante.
De Firmamento (Assírio & Alvim, 2022)
28.04.2022
Oriana Alves
Sérgio Milhano, PontoZurca