Matéria Escura
Alguma coisa invisível deve actuar em nós,
tão ténue que não chegue
para pressentimento, lume intocável
que nos roça o pensamento, refracção ocular
de um astro distante.
Uma força a que imputar o momento angular
do meu coração
quando de avião sobrevoo a nossa casa
à hora a que estendes a roupa
ou esquentas o biberão.
Uma força que elucide o remontar do salmão
às águas nativas, a formiga
que acode à congénere ferida,
o sinal oriundo do aglomerado de Perseu.
Uma substância que nos move
ou demove
mas com a qual não chegamos a interagir, alguma coisa
electricamente neutra,
deslocando-se a velocidades próximas
da luz,
uma incidência devolvida,
como o Sol de Janeiro a exaltar o sal dos mortos.
De Firmamento (Assírio & Alvim, 2022)
30.04.2022
Oriana Alves
Sérgio Milhano, PontoZurca