Perder a vergonha

Num ano de muita luta dos professores, a professora de português Vanda Rosa é a convidada de Bárbara Aparício, Luana Martinuzo e Alexandre Dias (via Whatsapp) no primeiro episódio do podcast “Perder a vergonha”.

 

Das reinvindicações dos professores ao prazer da conversa, da evolução da escola às fardas da marinha, da vergonha de falar em público à descoberta do livro de cada um, de muito se fala neste encontro que passa a correr.

 

O intimismo da rádio, a curiosidade e o dom da conversa deixam a perder de vista a habitual timidez dos entrevistadores e abrem o apetite para mais.

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[Ao poema pensei chamar-lhe]

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Ao poema pensei chamar-lhe

um comboio depois de Auschwitz

mas não, seria soberba minha

apanhar-lhe boleia

quando o que queria

era dizer do meu amor pelos comboios.

 

Debruçava-me perigosamente

desse terraço sobre Campanhã

onde a Matilde me denunciava à minha mãe

enquanto lhe compunha uma onda alta

no cabelo que a tornava grácil, esbelta.

 

Descíamos Pinto Bessa e os saltos altos

enterravam-se-lhe entre o quadriculado

da calçada, mas ela gostava

o meu pai também

contornava-lhe melhor a perna

e o mundo desenhava-se na perfeição.

 

Nada sabia dos comboios

incapaz de lhes reconhecer

qualquer indício torcionário

amava-os nessa ingenuidade

da pouca terra ser muita

e me levar para bem longe

como gostava.

 

Não que não gostasse de ter asas

mas nunca senti que as do avião pudessem ser minhas.

Por isso declinava-o como meio rápido

gostava da lentidão

por exemplo, com que a Denise

(mãe brasileira, pai alemão)

delineava o “a” e o “r”

ou o modo como a Milita

me tirava as medidas

para o meu novo casaco de fazenda

azul.

 

Tinha crescido um palmo e meio

e a mão do meu pai então enorme

mostrava que o antigo já não servia.

 

Era uma menina sensual

e não sabia

assim como que quando nascia

Anne Frank faria 37 anos.

 

Ficava-me a ver comboios

como quem vê navios.

 

 

 

 

 

Inédito

data de publicação
09.07.2022
GRAVAÇÃO E EDIÇÃO ÁUDIO
Oriana Alves
masterização
Pedro Baptista, PontoZurca