Farsa de Inês Pereira

Porquanto duvidavam certos homens de bom saber se Gil Vicente (1465 – 1536) fazia de si mesmo as suas obras ou se furtava de outros, lhe deram como mote sobre que escrevesse o provérbio que diz: “mais quero asno que me leve, que cavalo que me derrube”. Assim nasceu a Farsa de Inês Pereira, representada ao mui alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, no ano do Senhor de MDXXIII.

 

Com a adaptação realizada por Eduardo Street para o programa “Teatro Imaginário” da Antena 2 (2002), nas interpretações de Teresa Sobral, Fernanda Montemor, Vera Azevedo, Rui Luís, Jorge de Sousa Costa e Carlos Vieira Almeida, celebramos hoje o Dia Mundial do Teatro.

 

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Hoje o café fechado faz-me sentir

falta da mesa estrategicamente a um canto

e de um verso onde encostar a cabeça.

 

A senhora da barraquinha da fruta

vende-me os últimos figos secos

com o coração de noz

e dá-me por troco palavras amigas

que me acompanham até à linha 7

onde um rapaz exemplar transporta a Maria Callas

debaixo do braço como um qualquer instrumento

até a depositar sobre a plataforma onde agora somos quatro

contando com a rapariga de Erasmus

que fixa as gaivotas através de uma lente

trazendo-as do topo da Moagem Ceres

até muito perto

entretidas com uma matéria informe cujo fim muito mau

se transforma entre os seus bicos em muito bom.

Penso nessa tensão como uma corda rouca

fumo um imaginário cigarro

com gestos largos e lentos

como quem deseja prolongar o amor para além da dança.

 

A locomotiva mãe vem buscar a açafrão e a coração de boi

juntas seguem como um animal articulado.

As gaivotas voam para outra hora.

 

Comprido, cinzento, com pelagem de rato

continua Janeiro como o pior dos meses

 

 

 

 

Inédito

data de publicação
06.07.2022
GRAVAÇÃO E EDIÇÃO ÁUDIO
Oriana Alves
masterização
Pedro Baptista, PontoZurca