O frio não deixa dormir o osso entre ruínas aviões
farejam a mulher colhe pedras para o amante morto
para o filho desaparecido e a neve cai sobre eles.
Os relógios abandonaram a soberba desde ontem são cães
e têm medo.
É preciso não ter nenhuma pena dos relógios.
Os homens partem em barcos que não chegam
nem retornam e a língua que levam e o país
que não viram morrerão no alto-mar com eles.
Esta sirene contínua é o silêncio que não descansa
de lhe crescerem garras.
Os teatros se esfacelaram.
Os livros ficaram brancos.
Batem à porta.
Os sonâmbulos acordaram?
Batem à porta. Ninguém.
São os punhos escuros da neve
batendo contra o telhado.
Eucanaã Ferraz
in Retratos com erro (2019, Tinta da China)
15.02.2022
Rádio Batuta
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