Traição aos tradutores
Aquém de Homero, a tradução sempre
é ofício de navegação com cavalete
à vista, assente num deve-haver de
transportes entre o do outro, o nosso
uma praxis
de futuro temporário exposto eternamente
à falha, artesanato, pontaria a um deus
anterior, fábrica de ambi-cioso fervor
de melhor ouvir uma voz ou destapar
certa visão, prévia a imagens, ante-trama
de línguas, função parva desproporcional
à paciência de avançar a léguas do dito
original — esforço manco afinal
que desmancha idiomas como rasgos
humanos, alguns génios, face, em especial
a reservas de hábitos feitos imaginários e ainda
assim há que dar-lhe enquadramento profissional
organizado e bem pago como a tantos males necessários.
Margarida Vale de Gato
poema a publicar no livro Os restos não reclamados, manual lírico da tradução, já disponível na versão alemã, com tradução de Odile Kennel (Die nicht reklamierten Reste. Lyrisches Handbuch des Übersetzens, hochroth Verlag, 2021)
21.03.2022
Oriana Alves
PontoZurca